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Preservação social da fertilidade

Por Dr. Murilo Oliveira

Liberdade para realizar outros projetos pessoais e profissionais, autonomia para decidir ser mãe no momento oportuno: isso é o que muitas mulheres procuram atualmente. Nem sempre é possível conciliar todos os objetivos na mesma fase da vida, mas existem possibilidades de “congelar no tempo” as chances de engravidar com a preservação social da fertilidade.

Essa é uma técnica da reprodução humana assistida, cujo objetivo é manter gametas ou embriões disponíveis para tentativas de gravidez no futuro, caso a pessoa passe por dificuldade após determinada idade.

O papel feminino já foi muito vinculado às funções de maternidade e cuidados com a família. Na sociedade moderna, houve uma ascensão significativa da mulher, que conquistou amplo espaço no mercado de trabalho, independência financeira e passou, inclusive, a ter poder de decisão sobre incluir ou não os planos de casamento e gravidez em sua vida.

Entretanto, do ponto de vista reprodutivo, ainda não há formas de impedir o envelhecimento do organismo. Sendo assim, com o avanço da idade, os gametas sofrem uma diminuição da qualidade, dificultando a concepção e a evolução de uma gravidez saudável.

Para a maioria das mulheres, o declínio da fertilidade começa em torno dos 32 anos, acentuando-se após os 35. Os homens também podem ter redução da qualidade dos espermatozoides, mas isso ocorre mais tarde, por volta dos 45 anos.

Há duas dúvidas comuns que surgem no consultório em relação à preservação da fertilidade: tempo de congelamento e chances de gravidez no futuro. Veja as respostas:

  • não há um prazo para manter gametas ou embriões congelados, eles podem ficar em criopreservação por tempo indeterminado;
  • não é certeza de que a gravidez vai acontecer com o material genético que foi previamente congelado. Assim como nos ciclos a fresco, as chances de um resultado positivo dependem de vários fatores, como idade materna, número de óvulos captados, qualidade dos embriões e receptividade endometrial. No entanto, as chances de gravidez estão mais relacionadas ao momento que o óvulo foi congelado do que ao momento que ele for utilizado. Por exemplo: se você fez o congelamento de óvulos aos 30 anos e pretende utilizá-los aos 40 anos, suas chances de gravidez serão similares às de quando você tinha 30 anos (por isso o termo “congelar a fertilidade no tempo”).

Indicações para a preservação social da fertilidade

A preservação social da fertilidade é indicada com mais frequência para mulheres que querem adiar a maternidade para depois dos 35 anos. Os motivos para o adiamento da gravidez são diversos, como: carreira profissional, busca por estabilidade financeira, ausência de um parceiro atual que queira construir família, além de várias outras prioridades e realizações pessoais.

O congelamento de sêmen como forma de preservação social da fertilidade masculina é uma opção, mas é menos comum, se compararmos com o número de mulheres que buscam o congelamento de óvulos. Isso porque, embora exista uma redução da qualidade espermática, a produção de espermatozoides continua ao longo da vida do homem, desde que ele não desenvolva doenças que afetem a fertilidade.

Uma indicação interessante para os homens é o congelamento de sêmen antes da vasectomia. Muitos pacientes optam por essa cirurgia para contracepção definitiva, mas mudam de ideia e decidem ter mais filhos depois de alguns anos, seja com a mesma parceira ou em um novo relacionamento conjugal.

Vale esclarecer que existe também a preservação terapêutica da fertilidade, indicada antes de tratamentos médicos que possam colocar as funções reprodutivas em risco, como as terapias oncológicas ou cirurgias ovarianas e testiculares.

Formas de realizar a preservação social da fertilidade

Tanto o congelamento de gametas quanto o de embriões podem ser feitos para a preservação social da fertilidade. Ambas as situações são possíveis somente no contexto da fertilização in vitro, ou seja, será necessário finalizar um programa de FIV para chegar à gravidez utilizando o material congelado.

Veja de forma mais detalhada:

Congelamento de gametas

O congelamento de óvulos é a técnica mais utilizada para a preservação social da fertilidade feminina. Para isso, a mulher precisa primeiramente realizar um exame de ultrassonografia transvaginal que permite avaliar a quantidade de folículos e óvulos disponíveis (um dos métodos mais fidedignos para estimar a reserva ovariana na atualidade). Com base nos resultados dessa avaliação, definimos um protocolo personalizado de estimulação ovariana.

Com medicações injetáveis que a própria paciente pode aplicar em casa, realiza-se a estimulação dos ovários que leva ao desenvolvimento de múltiplos folículos, de acordo com a resposta individual. Mais 3 ou 4 exames de ultrassom são feitos durante o período de aplicações, que dura entre 10 e 12 dias, para acompanhar o crescimento folicular e realizar ajustes de protocolo para extrair o maior potencial de cada estimulação.

Após o desenvolvimento esperado dos folículos e a aplicação de medicações para induzir o processo de maturação final dos óvulos, fazemos a captação dos óvulos. O procedimento é rápido e feito com a paciente sob sedação para evitar dor e desconforto durante o procedimento.

Os óvulos coletados são analisados e preparados para a criopreservação, que é feita com a técnica de vitrificação (congelamento ultrarrápido). Quando a mulher estiver pronta para engravidar, caso precise utilizar os óvulos previamente congelados, os óvulos são descongelados e fertilizados em laboratório, dando origem aos embriões, que são transferidos para o útero após cerca de 5 dias de cultivo em incubadora. 

Se a mulher não tiver dificuldade para engravidar, outra opção seria engravidar naturalmente e deixar os óvulos congelados para uma futura gravidez.

Caso o homem decida congelar seus gametas, o procedimento é simples: o sêmen é coletado por meio da ejaculação, passa pelas análises do espermograma e é submetido ao preparo seminal. Assim, uma amostra com espermatozoides de boa qualidade (motilidade e morfologia adequadas) é congelada para uso futuro.

Congelamento de embriões

Para o congelamento de embriões, são realizadas todas as etapas da FIV: estimulação ovariana, coleta dos óvulos, coleta do sêmen e preparo seminal, fertilização e cultivo embrionário. Então, em vez de serem transferidos para o útero, os embriões são vitrificados. Um aspecto vantajoso do congelamento de embriões é que podemos realizar o estudo cromossômico dos embriões formados e saber quantos deles são normais. Apesar de existirem as estatísticas que nos auxiliam na tomada de decisão, sabemos que nenhum paciente é um número e precisamos individualizar cada contexto.

Quando o casal considerar o momento oportuno para engravidar, a mulher realiza o preparo do útero com medicações hormonais, os embriões são descongelados e transferidos para o ambiente uterino.

Um ponto importante a considerar no momento de optar entre congelamento de óvulos ou embriões é a estabilidade do relacionamento conjugal. Sabemos que a dinâmica dos compromissos afetivos mudou nas últimas décadas, os namoros e até casamentos estão menos duradouros. 

Sendo assim, é possível congelar embriões pensando num futuro com o atual parceiro, mas, por alguma razão, não continuarem juntos. Caso isso aconteça, o material genético do óvulo estará vinculado ao material genético do espermatozoide. Já no caso do congelamento de óvulos, eles serão unidos com os espermatozoides do parceiro na época em que a mulher decidir utilizar os óvulos congelados para engravidar.

Uma alternativa interessante nesse contexto da preservação social da fertilidade é congelar uma parte de embriões e uma parte de óvulos não fertilizados. Assim, teremos as duas opções para dar sequência ao tratamento, futuramente.

A preservação social da fertilidade não é certeza de engravidar daqui a alguns anos, mas é uma grande aliada da mulher moderna, pois aumenta consideravelmente as suas chances, considerando os impactos negativos do avanço da idade na qualidade e quantidade dos óvulos. Buscar informação e orientação para conhecer suas possibilidades enquanto você ainda tem tempo para isso é o melhor caminho a seguir.