Cada teste de gravidez negativo é doloroso para quem está tentando engravidar. Essa dor pode ser ainda maior para os casais que comemoram o resultado positivo e, pouco tempo depois, sofrem um aborto espontâneo e têm seus sonhos desfeitos. Procurar ajuda médica é algo que deve ser feito nessa situação, principalmente quando se trata de abortamento de repetição.
É classificada como aborto espontâneo a perda gestacional que ocorre até a 20ª semana de gravidez. Duas ou mais perdas consecutivas caracterizam o abortamento de repetição. O problema pode estar relacionado a alterações inerentes ao próprio embrião ou alterações hormonais, anatômicas, infecciosas, genéticas ou a causas desconhecidas.
Se você já sofreu um aborto pode ter escutado do médico ginecologista ou de outras pessoas que isso é normal. Na verdade, sofrer um abortamento não é normal. Pode até ser comum, porque é algo que ocorre com certa frequência, mas não significa que seja normal, pois não é a natureza da reprodução humana. Normal é conseguir levar uma gestação saudável até o nono mês e ter o bebê nos braços.
Diante disso, acreditamos que a investigação e o acompanhamento médico devem acontecer desde a primeira perda, podendo inclusive antecipar algumas investigações, sem esperar que se classifique como abortamento de repetição. Com exames simples, é possível identificar alguns fatores de risco reversíveis.
O aborto envolve frustração, tristeza, raiva, gera um processo de luto. Somente quem sentiu na pele a dor de uma gravidez interrompida sabe o que isso significa. Entretanto, é preciso ressignificar o sentimento de perda e dar o próximo passo, caso contrário você pode perder um tempo precioso — e o tempo não volta.
Para retomar o seu caminho de tentativas, é importante contar com um bom médico, de preferência especialista em reprodução humana, que vai realizar uma investigação aprofundada das causas do abortamento e saber por onde guiar o casal.
São várias as possíveis causas do abortamento de repetição, desde doenças uterinas e alterações cromossômicas no embrião até condições masculinas que afetam a qualidade embrionária.
Conheça as causas mais frequentes!
As principais causas de abortamento de repetição são as alterações cromossômicas do embrião. Isso pode ocorrer em gestações espontâneas ou com tratamentos de reprodução humana, embora no segundo contexto já existam técnicas para o rastreio de aneuploidias.
Um embrião cromossomicamente normal é um embrião euploide. Quando há alterações no número dos cromossomos, chamamos de aneuploidia. Essa condição pode dificultar a implantação do embrião no útero ou causar abortamento de repetição. Se a gestação evoluir, existe a possibilidade de gerar uma criança com síndrome cromossômica, como síndrome de Down, síndrome de Edwards, síndrome de Turner, síndrome de Klinefelter, entre outras.
Nos tratamentos com fertilização in vitro (FIV), se foi feita a transferência de um embrião euploide e a paciente abortou, é importante antecipar o processo de investigação do abortamento para evitar futuras perdas.
Há várias doenças que modificam a anatomia do útero e reduzem o espaço da cavidade uterina, interferindo no processo de implantação embrionária ou no desenvolvimento da gravidez. Essas condições precisam ser identificadas e tratadas para oferecer um ambiente propício para o crescimento fetal.
Entre as alterações uterinas associadas ao abortamento de repetição, estão:
Para formar um bom embrião, com potencial para implantar e se desenvolver de forma saudável, precisamos de bons gametas. Tanto o óvulo quanto o espermatozoide influenciam na qualidade embrionária, portanto, podem existir fatores femininos e masculinos no abortamento de repetição.
Um fator importante quando falamos em qualidade dos gametas é a idade. O risco de abortar devido a aneuploidias, por exemplo, pode ser maior em gestações tardias. Isso porque as mulheres com mais de 35 anos apresentam a qualidade dos óvulos reduzida, devido ao envelhecimento dos ovários.
A fertilidade feminina reduz primeiro que a masculina, mas isso não torna o homem imune à diminuição da qualidade de seus gametas. Acima dos 45 anos, o homem tem mais chance de apresentar índices elevados de fragmentação do DNA espermático, bem como de ter filhos com doenças genéticas, como autismo.
Além do avanço da idade, outras condições associadas aos danos à integridade dos espermatozoides são: varicocele, alterações genéticas, exposição a toxinas ambientais e até estilo de vida baseado em hábitos prejudiciais à saúde.
Os hormônios reprodutivos femininos são fundamentais para manter o revestimento interno do útero, o endométrio, em condições de boa receptividade para o embrião. Quando há baixa secreção de progesterona, o tecido endometrial se torna menos receptivo, o que pode acarretar falha de implantação ou abortamento.
Além da secreção insuficiente de progesterona, existem doenças endócrinas que causam desequilíbrios hormonais e podem contribuir para perdas gestacionais, incluindo:
A endometrite crônica é uma inflamação persistente no endométrio, de origem polimicrobiana. A infecção que desencadeia o processo inflamatório pode ser causada por patógenos sexualmente transmissíveis. Outros tipos de bactérias presentes no trato genital inferior também podem ascender para a cavidade uterina espontaneamente para causar a endometrite, ou durante procedimentos médicos, como a curetagem pós-aborto.
Embora ainda seja pouco investigada no contexto da avaliação da infertilidade, a endometrite pode ser encontrada em até 40% das pacientes inférteis. É mais uma das doenças que têm sido relacionada a falhas de implantação e abortamento de repetição.
Trombofilias são condições em que há uma predisposição aumentada para o surgimento de trombose, devido a alterações nos fatores de coagulação, hereditárias ou adquiridas.
A fisiologia da gravidez envolve um processo de hipercoagulabilidade para evitar hemorragias. Somando esse mecanismo com o estado pró-trombótico dos casos de trombofilias, podem surgir coágulos nos vasos placentários que prejudicam o desenvolvimento fetal.
A presença de trombos na placenta pode impedir que o embrião/feto receba oxigênio e nutrientes pelo sangue materno, culminando em abortamento.
Para começar a avaliação, precisamos conhecer a história do casal e reunir informações sobre: tempo de tentativas, número de perdas, se houve gestação anterior com desfecho positivo, condições gerais de saúde, estilo de vida, entre outras.
É oportuno acrescentar que os próprios procedimentos realizados após um aborto, como a curetagem e a Aspiração Manual Intrauterina (AMIU) podem ter consequências que levam ao abortamento de repetição, por exemplo: endometrite e formação de sinequias (pontes de tecido cicatricial que ocluem a cavidade do útero, reduzindo o espaço necessário para o crescimento fetal).
Sendo assim, quanto mais o médico conhecer sobre o histórico do casal e os antecedentes obstétricos da paciente, mais próximo da identificação das causas será possível chegar.
Há uma série exames complementares que podem ajudar a identificas as causas do abortamento de repetição. Muitas vezes, avaliações simples de rotina, como a ultrassonografia transvaginal e análise hormonal, podem trazer as respostas que estamos procurando.
Outros exames e procedimentos que podem ser indicados em uma investigação aprofundada incluem:
Os exames são fundamentais para a investigação diagnóstica. Contudo, não se trata somente de investigar as causas de abortamento de repetição, também temos que cuidar da pessoa, olhar com atenção para aquela mulher, aquele casal que está fragilizado, com medo de novas tentativas e novas perdas. Oferecer suporte emocional também é fundamental nessa jornada.
A decisão sobre o tratamento depende especificamente das causas que precisam ser corrigidas, o que pode envolver uso de medicações ou cirurgia. Também é recomendável que o casal faça melhorias no estilo de vida para otimizar a saúde reprodutiva.
Entre os tratamentos de reprodução humana, a FIV pode reduzir o risco de novos abortamentos com técnicas específicas. Nesse sentido, podemos contar com o teste genético pré-implantacional para aneuploidias (PGT-A), que rastreia alterações nos cromossomos dos embriões antes que eles sejam transferidos para o útero — lembrando que anormalidades cromossômicas são a principal causa de aborto.
Em situações tão delicadas quanto a infertilidade e o abortamento de repetição, tudo o que você precisa, antes de embarcar em uma nova tentativa, é do apoio profissional de alguém que acredite nos seus sonhos tanto quanto você. Cada casal merece um olhar individualizado, que seja baseado em experiência clínica, mas que também tenha empatia, compreensão e cuidado.